quarta-feira, 27 de junho de 2012


  



Resenha filme "Sombras da Noite" (Dark Shadows / 2012 / EUA) dir. Tim Burton


por Lucas Wagner

  Na filmografia de Tim Burton podemos ver claramente a inflûencia gótico-expressionista que domina seus trabalhos, seja nos mais leves ou nos mais pesados. Em toda sua obra há uma atmosfera fantástica, mágica, que se assemelha a um conto de fadas (até mesmo em Ed Wood, seu melhor e mais realista filme), algo que fica ainda mais visível pelo modo como o cineasta filma, sempre com movimentos de câmera pomposos que ressaltam o sobrenatural do que vemos, o fantasmagórico, o fantástico. Sombras da Noite, esse seu mais novo longa, funciona como um filme que brinca chocando um mundo sobrenatural (tão comum nos filmes de Burton), com o "real" e louco mundo dos anos 70, funcionando assim como um bacana exercício de estilo de seu diretor, mas que possui inegáveis problemas relacionados ao seu FRACO roteiro, escrito por Seth Graham-Smith (que escreveu o bacana romance Orgulho e Preconceito e Zumbis).

  Para quem não sabe, Sombras da Noite conta a história de Barnabas Collins (Johnny Depp), que foi amaldiçoado por uma bruxa (Eva Green), se tornando um vampiro e ficando preso dentro de um caixão por 196 anos. Quando é retirado de seu caixão em 1972, passamos a acompanhá-lo nas suas tentativas de se adaptar aos anos 70, ao mesmo tempo em que ele busca reerguer o império de sua família, Collins, que está sendo massacrado por uma empresa comandada por Angie, que é a bruxa que o amaldiçoou.

  Burton claramente se divertiu demais dirigindo esse longa. Podemos notar os seus típicos movimentos de câmera exagerados em várias cenas, ao mesmo tempo em que choca a antiguidade com a "atualidade", produzindo momentos impagáveis e hilários como na sequência em que Barnabas "acorda" na década de 70, e acompanhamos seus sustos diante do que vê (a brincadeira feita com o símbolo do McDonalds é genial). Mas Burton ainda brinca com a psicodelia dos anos 70, como na engraçadíssima conversa entre Barnabas e um grupo hiippie, ou através da fotografia de Bruno Deslbonnel (o mesmo diretor de fotografia de O Fabuloso Destino de Amelie Poulain Harry Potter e o Enigma do Príncipe), que é brilhante ao variar tons sombrios que ressaltam a sobrenaturalidade de diversos momentos, e também brinca com cores mais claras e fortes, flertando com o psicodélico. Além disso, Burton foi excelente no manejo de sua trilha sonora: seu compositor habitual, Danny Elfman, cria uma trilha que joga com o fantástico e o fantasmagórico (sem deixar de lado tons mais "anos 70"), e o cineasta ainda busca uma trilha incidental que vai contra a trilha de Elfman, com músicas e bandas da época, que cria momentos sensacionais embalados por sons de T-Rex, Carpenters, Black Sabbath, Alice Cooper (que tem uma participação especial aqui, por sinal), entre outros.

  Mas são nas minúcias do trabalho de Burton que o filme ganha seus toques mais genias, e é onde o cineasta se mostra mais inspirado e divertido. Alguns exemplos: o momento em que Angie (Green) está em uma reunião de negócios e faz um discurso andando pela sala, e através do movimento de câmera de Burton, vemos, atrás da personagem, pinturas que retratam sua pessoa, com diferentes estilos de cabelo e figurino, tudo remetendo a cada época diferente que ela viveu (ela é imortal), o que fica mais genial ao observarmos que o estilo de pintura de cada quadro também remete a cada estilo de cada época representada neles. Observem também a rima visual feita por Burton com a boca de Barnabas: quando esse promove uma verdadeira carnificina quando é "encontrado", vemos sua boca cheia de sangue; quando este beija Angie (que está usando um forte baton vermelho) sua boca fica muito vermelha; e ainda tem o momento em que Angie tira sua calcinha vermelha e a coloca cobrindo a boca dele, e quando esta é retirada de seu rosto, ainda continua ali um fio vermelho da calcinha; vendo no contexto do filme, Barnabas odeia e reprime o fato de ter que sugar sangue para sobreviver, algo que se relaciona diretamente com Angie, que o transformou em vampiro, e também vemos o fato de que a cor vermelha geralmente significa algo ruim, como violência. Assim, foi genial esse jogo que ele fez com o vermelho e a boca do personagem, sempre ligando o triste fato de ele ser vampiro, com a personagem de Angie, deixando claro a violência e desespero envolvidos na sua situação (observem ainda o fato de os dois transarem sobre um quadro que mostra uma gota de sangue). E ainda tem mais: a brincadeira que Burton faz em certo momento, quando mostra Barnabas dormindo em diferentes e inusitados lugares não surge de forma gratuita, mas como uma maneira do cineasta mostrar o personagem tentando se adaptar àquele mundo estranho a ele. E como não ficar de olhos arregalados, queixo caído e rindo muito com a brincadeira repleta de humor negro do diretor quando uma personagem vai praticar sexo oral em outro, e no momento em que ela se abaixa, Burton corta para uma praia revelando furiosas ondas batendo contra rochas liberando grandes camadas de espuma branca (brincadeira também feita pelo extraordinário seriado Breaking Bad, quando uma prostituta termina de "satisfazer oralmente" um cliente, e corta para uma cena em que ela abre uma lata de Coca-Cola quente, o que libera espuma em sua face). Também há o instante em que Angie lança um feitiço para causar um incêndio, e esse incêndio não começa do nada, como seria de se esperar, mas acompanhamos uma série de movimentos mecânicos que, causados pelo feitço de Angie, causam um incêncio, o que ressalta o fato de o filme estar se passando em um mundo "real". Mas, por mais que a direção de Burton seja MUITO bacana, a rima visual que tenta fazer no clímax é óbvia e tola, sendo que parece que ele acha que está fechando "com perfeição" o arco dramático de Barnabas, mas não está.

  Agora, em relação aos personagens: Sombras da Noite possui um elenco admirável, maravilhoso, mas possui personagens muito mal escritos e, mesmo que grande parte dos atores busquem lhes dar maior tridimensionalidade, falham porque o roteiro não lhes dá oportunidades. Mas há excessões, que ficam por conta de Johnny Depp e Eva Green. Depp está inspiradíssimo como Barnabas, além de mostrar como é um ator maduro. Seria fácil para ele interpretar Barnabas apenas como uma figura excêntrica e cômica, mas Depp vai além, criando um personagem mais profundo e complexo do que seria de se esperar. Mesmo que mantenha alguns movimentos e gestos a lá Jack Sparrow (como quando encosta em um garfo que pensa ser de prata), Depp cria em Barnabas uma figura mais sóbria e trágica, que carrega o peso de seu passado e de sua condição com muita tristeza, que o leva a sempre manter uma postura de autoridade (para manter a honra de sua família), mesmo que isso signifique cometer atos "malígnos" (como quando mata uma determinada personagem). Barnabas sofre bastante por ser um vampiro, e reprova o fato de ter que sugar sangue para sobreviver; ele se vê como um monstro, um demônio, uma criatura horrível e irremediável, completamente deformada, que só encontra conforto nos braços de sua amada. E Depp foi excepcional ao interpretá-lo com força total e revelar minúcias em seus comportamentos que revelam seus sentimentos. Quanto a Eva Green: ela, como sempre, esta estonteantemente linda, e interpreta a vilã Angie com força e imponência, mas que se derrete de amores por Barnabas, por mais que insista em lhe fazer mal. E se não fosse pela força de sua atuação, seu último momento em cena não teria a força e doçura almejados.

  Infelizmente, como já foi dito, o resto do elenco nada pode fazer. A talentosíssima Chloë Grace Moretz (que interpretou a inesquecível Hit Girl em Kick Ass - Quebrando Tudo, a doce e trágica vampira no remake Deixe Ela Entrar, e a apaixonada por literatura em A Invenção de Hugo Cabret) não consegue transformar sua personagem em uma figura mais complexa, ficando presa a uma figura mal construída e mal escrita que a castra de qualquer talento. Helena Boham Carter consegue soltar-se um pouco do roteiro e transformar sua Dra. Hoffman em uma figura trágica e complexa, além de desesperada. Michelle Pfeiffer tenta mas não consegue desenvolver mais sua personagem, ao passo que Johnnie Lee Miller e Jackie Earle Haley (de Ilha do Medo, Watchmen Pecados Íntimos) possuem personagens ridículos e sem sentido que não deveriam estar no filme, e muito menos ter atores tão bons os interpretando. Bella Heathcote só é bela (e como é), mas não passa de um rosto bonito. Christopher Lee, em menos de um minuto de cena, pelo menos consegue deixar seu personagem mais interessante que a maioria dos vistos aqui...

  E quanto ao roteiro, basicamente nada salva. Além de construir porcamente a maioria dos personagens (algo surpreendente se notarmos a bela e divertida construção dos personagens no romance Orgulho e Preconceito e Zumbis), Graham-Smith desenvolve pessimamente aquele que deveria ser o centro do filme: o amor entre Barnabas e Josette/Victory. Eu até entendo a história de amor eterno e blábláblá, mas simplesmente o roteiro parece esquecer-se dos dois durante boa parte do tempo, apenas dedicando-se esporadicamente a eles, e ainda assim, esses momentos apenas possuem dedicatórias melosas de amor que NÃO contribuem para esse romance parecer real o suficiente para nos importarmos com ele. E o que dizer da risível/ridícula/imbecil/deprimente/tosca/sem vergonha maneira como Graham-Smith tenta criar uma briguinha entre os dois no final do filme? Tosco demais! E além disso, o garotinho David demonstra alguns dos maiores problemas do filme, já que, no início, este parece ter muita importância, para depois ser simplesmente esquecido pelo roteiro, para apenas no final desempenhar alguma função importante novamente. Babaquice. E ainda, o que dizer da cena final do longa, que sugere uma possível sequência com uma vilã que certamente NÃO daria certo, já que sem dúvida seria algo incrivelmente forçado?! Existem muitos outros erros, mas esses, principalmente a falta do desenvolvimento dos personagens secundários, castram o filme do envolvimento emocional necessário para tirá-lo do status de divertido para tranformá-lo em algo mais relevante e envolvente.

  Mas, graças a ótima seleção da trilha incidental, das atuações de Depp e Green, e da direção empolgada e inspirada de Burton (junto com suas brincadeira visuais excelentes), além de extraordinárias e hilárias piadas, Sombras da Noite é uma experiência muito bacana. Poderia ser melhor? Nossa... demais! Poderia ser um dos melhores filmes de Burton. Só precisaria de um roteiro melhor escrito.

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