sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Resenha filme "Looper - Assassinos do Futuro" (Looper / 2012 / EUA) dir. Rian Johnson

por Lucas Wagner

  Desde a maravilhosa trilogia De Volta Para o Futuro vimos escassos filmes sobre viagens no tempo que se desafiavam a ir além de simplesmente repetir as ideias contidas nos três filmes de Robert Zemeckis. Alguns dos raros são os inesquecíveis Triângulo do Medo e Donnie Darko, e ainda assim suas tramas exploram coisas mais complexas do que simplesmente viagens no tempo, flertando com temáticas como universos paralelos, por exemplo. Não que simplesmente por não trazer algo mais original que todos os outros filmes de viagens no tempo tenham sido ruins, afinal, tivemos longas excepcionais como O Homem do Futuro e, é claro, o terceiro ato de Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Mas agora temos esse Looper, escrito e dirigido por Rian Johnson, um longa que, mesmo apresentando alguns problemas de estrutura, certamente é ambicioso e interessante, construindo uma trama complexa e intrigante que ainda por cima não se esquece de desenvolver seus personagens.

  Sem estragar alguma surpresa, posso tentar resumir uma sinopse da seguinte forma: no ano de 2044 ainda estamos a 30 anos da criação da máquina do tempo, que se tornou ilegal assim que criada. Passou a ser usada, então, por organizações criminosas que, para eliminar algum “empecilho” humano, mandam essa pessoa para o ano de 2044, em que existem os chamados loopers, responsáveis por eliminar esses prisioneiros vindos do futuro e se livrar dos corpos. Tudo ocorre bem para o looper Joe (Joseph Gordon-Levitt) até que é lhe enviado para ser eliminado seu “eu” 30 anos mais velho (Bruce Willis). Ao cometer o erro de deixá-lo escapar, o Joe jovem parte em uma caçada para reverter seu erro, enquanto toda a organização looper está em seu encalço.

  Esse resumo que fiz na verdade não faz jus ao longa, já que o roteiro de Johnson não se contenta em construir apenas um ótimo filme de ação (e com a trama que descrevi acima, convenhamos, isso não seria nem um pouco impossível), mas leva seus personagens a situações cada vez mais complexas, criando uma trama intrincada e criativa que vai se tornando mais e mais ameaçadora, chegando até seu intenso clímax. No entanto, embora inventivo (não tanto como os citados Triângulo do Medo e Donnie Darko, mas tá valendo) o roteiro de Johnson acerta ao inserir homenagens a outros grandes clássicos sobre viagens no tempo, que se inserem de maneira extremamente orgânica à narrativa, contribuindo ainda mais para o enriquecimento do longa. O clássico mais homenageado é O Exterminador do Futuro, algo que fica claro a partir de certo momento, com Johnson reforçando essa fonte com referências mais diretas (que não citarei aqui por serem spoilers) e outras mais sutis, como o fato do nome da personagem de Emily Blunt ser Sara o que, juntamente com algumas situações a envolvendo, torna claríssima a ligação com a inesquecível Sarah Connor (interpretada por Linda Hamilton nos filmes de James Cameron), além do modo como o diretor de fotografia Steve Yedlin fotografa Blunt e sua fazenda, com cores quentes e nostálgicas que lembram diretamente as viagens de Sarah Connor e seus cabelos loiros ao pôr do sol no final de O Exterminador do Futuro. Até mesmo o cabelo de Blunt está igual ao de Connor.

  Fora esses aspectos da trama, vale comentar que a visão de futuro do filme, mesmo não tão fascinante e original como a de um Blade Runner ou Minority Report, funciona bem como uma crítica velada à sociedade que, como discute o sociólogo Zygmunt Bauman, cada vez mais se volta à satisfação imediata e inconsequente do prazer. Desse modo, vemos aqui uma enorme quantidade de pessoas se afundando em drogas e sexo descontrolado, desperdiçando potenciais fascinantes como telepatia de forma inútil, ao mesmo tempo em que os cidadãos se mostram mais individualistas e violentos, o que fica claro quando um homem, ao ver um bem material seu ser roubado, não pensa duas vezes antes de atirar no ladrão. Porém, confesso que achei meio estranho que Johnson tenha optado por filmar um futuro sem várias inovações tecnológicas, já que no presente vemos novos produtos surgirem a cada semana. Mas, se pensar bem, Johnson pode ter optado por essa abordagem por achar que ela contribuiria para sua visão de sociedade decadente. Só que não me pareceu muito realista, nesse sentido tecnológico.

  Com uma direção impecável de cenas de ação, que surgem sempre intensas e bem montadas (além de acompanhadas de um excepcional design de som), Johnson mantém a narrativa sob rédeas firmes durante boa parte da projeção, conseguindo manter um clima tenso ao mesmo tempo em que consegue trabalhar cenas mais intimistas visando o desenvolvimento dos personagens e da trama. Johnson ainda se mostra seguro para brincar um pouco mais ao flertar com efeitos e técnicas mais “exageradas” sem, no entanto, deixar que esses recursos se tornem repetitivos/cansativos, como as excelentes câmeras inclinadas ou ainda quando gira a câmera em 360° quando um personagem acaba de se drogar.  Além disso, é extremamente eficiente a sequência em que o cineasta visa mostrar a rotina vazia e entediante de Joe, numa ótima montagem onde se repetem várias vezes os eventos de cada dia, ou quando estabelece uma maravilhosa e reveladora rima visual que mostra duas personagens femininas passando a mão no pé de outros personagens masculinos (e mais fascinante ainda é que não são nem os mesmos personagens, o que comprova a compreensão do diretor quanto ao seu trabalho ao aproveitar essa chance para reforçar a relação psicológica entre Cid e Joe “jovem”). Ainda a fotografia de Steve Yedlin se mostra competente ao investir em uma paleta triste e sombria durante a maior parte do tempo, apenas mudando essa lógica nas cenas da fazenda de Sara (Emily Blunt) e de Joe “velho” (Willis) com sua esposa no futuro, quando investe em tons mais claros e quentes, que ajudam a reforçar (além da homenagem já comentada a O Exterminador do Futuro) a importância desses ambientes na vida dos protagonistas, nos seus arcos dramáticos. Também vale comentar a trilha sonora de Nathan Johnson que, no melhor estilo Hans Zimmer, consegue ajudar a manter o ritmo do filme enquanto dá o tom necessário tanto para cenas mais agitadas quanto para aquelas mais sensíveis.

  Apesar de eficaz, Rian Johnson comete alguns erros relativamente graves tanto no roteiro como na direção (e se digo “relativamente” é porque o longa possui acertos maiores que certamente nos fazem querer ignorar esses erros). Como eu disse antes, o diretor consegue viajar entre ritmos mais agitados e outros mais “quietos” com certa destreza, mas isso não acontece em todo momento. De vez em quando, Johnson é brusco demais ao quebrar o ritmo completamente para mudar para outro âmbito bem diferente da história, como quando usa o desmaio do Joe “jovem” para voltar um pouco atrás na narrativa e contar as contingências que levaram o Joe “velho” ao passado; ou outra ainda que perturba é quando o cineasta trava bruscamente de novo a velocidade da narrativa, desta vez para mostrar a rotina de Sara. Falando em Sara, a trama envolvendo ela e seu filho Cid (Pierce Gagnon), embora importante e fascinante, é introduzida apenas no meio do filme, o que é um erro básico e juvenil em direção. Também o relacionamento que se desenvolve entre Joe “novo” e Sara surge um pouco de repente demais, sem próprio desenvolvimento, embora possamos encontrar facilmente a razão da atração dos dois a partir de nossa própria boa vontade e do material que o já nos foi fornecido pelo roteiro. Ainda nessa linha, é decepcionante que a trama secundária envolvendo o personagem de Kid Blue (Noah Segan) estivesse sendo desenvolvida com tanto cuidado apenas para ter um fim decepcionante que nos faz indagar por que Johnson dedicou tanto tempo àquele personagem afinal. Infelizmente ainda preciso constatar que Johnson algumas vezes (mas não o suficiente para irritar) investe em coincidências para fazer o roteiro funcionar, o que é um recurso fraco e preguiçoso. Esses e alguns outros erros, embora graves, se tornam rasos diante do tanto que nos envolvemos com a trama e com os personagens.

  Os personagens receberam atenção especial de Johnson, que reuniu aqui um elenco fantástico que cumpre com perfeição seu papel. Joseph Gordon-Levitt finalmente ganha papel de protagonista de ação (algo que – ainda – não conseguiu com o cineasta Christopher Nolan, com quem trabalhou duas vezes), e interpreta Joe “novo” com a mesma disciplina rígida com que interpretou Arthur em A Origem. Homem sério, pragmático e meticuloso, Joe é um sujeito que vive uma rotina atordoante, apoiando as esperanças de uma vida mais “diferente” na perspectiva de ir para Paris. Embora tenha uma fachada de racionalidade impassível, Joe sofre absurdamente por dentro, por suas experiências traumáticas na infância e pela própria rotina em que vive. Aliás, ele se condiciona a ser frio a ponto de trair pessoas queridas a ele, por ser o mais “racional” a se fazer, mesmo que a culpa o destrua (e é fascinante e revelador que, no momento em que trai determinada pessoa, busca ainda se manter por cima ao bater de frente com seu chefe mesmo em um assunto bobo, já que o chefe diz que ele deve ir para China enquanto ele afirma que vai para Paris, várias vezes). O arco dramático que passa ao longo do filme se revela extremamente tocante, quando ele vai se suavizando na relação com Sara e Cid. E Gordon-Levitt é impecável ao demonstrar complexas emoções sem, no entanto, fazer grande estardalhaço quanto a elas, já que isso trairia a natureza do próprio personagem; o ator ainda revela mais e mais sobre a personalidade do rapaz através de pequenos gestos (observem o momento em que arruma uma de suas barras de prata s que está fora do lugar). E sobre tal figura, Bruce Willis não está atrás de Gordon-Levitt, e cria um Joe “velho” igualmente fascinante. Tendo apanhado e aprendido da vida até encontrar algo pelo qual realmente valha a pena vive, Willis encarna com absoluta perfeição um homem que perdeu tudo e se vê numa cruzada desesperada e brutal para resgatar o que tinha (e o ator revela ter colhões de titânium principalmente na fantástica cena de ação do headquarters dos loopers). O astro não deixa de lado momentos mais sensíveis (como quando é obrigado a fazer uma coisa particularmente horrível) ao mesmo tempo em que se diverte ao mostrar uma versão mais madura do Joe “novo”, chamando este de “garoto estúpido”, por exemplo. Ele olha para si mesmo também, como jovem, com uma inegável melancolia ao ver aquele garoto egoísta e imaturo, que vive morrendo de medo e se escondendo em si mesmo, e sabe que ele vai sofrer bastante. Aliás, o encontro de Gordon-Levitt e Willis em uma lanchonete representa um dos melhores (senão o melhor) momentos do filme, já que, além de extremamente divertido, esse é um momento intimista que nos leva a conhecer demais aquelas figuras psicologicamente falando, além de suas diferenças. E nem precisa dizer da qualidade dos dois atores nessa cena não é?

  Do elenco mais secundário quem se destaca mais é Jeff Daniels, como Abe, um sujeito melancólico que, vindo do futuro, exerce a função de chefe dos loopers. A partir de detalhes específicos, o ótimo ator vai desenvolvendo seu personagem a ponto de, mesmo sem possuir muitas cenas, sentirmos que o conhecemos profundamente. Além disso, o roteiro deixa subliminar uma relação intrigante (que não posso revelar aqui) entre ele e Kid Blue, o que o torna mais fascinante. Kid Blue que, como já foi comentado, tem um desfecho decepcionante, mas é belamente interpretado por Noah Segan que nos leva a gostar e compreender o sujeito. No entanto, não consigo compreender o por que de Paul Dano trabalhar com personagens sempre tão insignificantes, mesmo depois de seus extraordinários papéis em Pequena Miss Sunshine e Sangue Negro.

  Mas, no que se refere a atuações, quem domina esse filme mesmo é Emily Blunt e o garotinho Pierce Gagnon. Linda como sempre, eu não consegui resistir a me apaixonar por Blunt, que cria uma Sara tão complexa, tão sensível e tão trágica ao mesmo tempo. Ela possui uma fachada de força, de dureza, que usa para proteger seu filho Cid dos males do mundo, e esconde por trás dessa dureza, um grito de ajuda e desespero, que parece sempre entalado na garganta, e tudo isso pelo seu imenso amor pelo filho. Blunt (que até hoje nunca tinha tido verdadeira chance de demonstrar seu talento) interpreta Sara com uma força e doçura cativantes, dando enorme dimensão à personagem. Já Pierce Gagnon é inegavelmente o melhor ator do elenco, e tem apenas seis anos. Se apresentando com um potencial enorme de ser um grande ator no futuro, o garotinho chega a assustar em sua interpretação de Cid, equilibrando tristeza, melancolia e infantilidade numa medida fascinante. Ele chega a assustar na absurda intensidade de sua atuação em diversos momentos e, mesmo que saibamos de seu potencial para se tornar uma espécie de Darth Vader no futuro, é impossível não nos comovermos com aquele garotinho sofrido e trágico, que já teve sua infância completamente estilhaçada por contingências terríveis. Gagnon merecia é um Oscar por essa sua interpretação, isso sim, que é tão madura, mas tão madura, que consegue demonstrar com maestria até mesmo os sentimentos confusos que tem em relação a Sara. Genial esse moleque.

  Diante disso tudo e da trama intrigante, nos vemos envolvidos tanto emocionalmente quanto intelectualmente pelo filme, que é capaz até mesmo de levar às lágrimas (uma mulher atrás de mim chorou profundamente e seu namorado fez a imbecil pergunta “tá chorando?” e ela respondeu: “e como que não chora?!”), Looper possui ainda um clímax impecável, que fecha belamente o longa.

  Extremamente violento (em uma cena vemos um homem explodindo em câmera lenta) e intenso,  Looper é um ótimo filme, sem dúvidas, mesmo com defeitos graves, como já discutido. Gostei tanto que o assistirei ainda mais algumas vezes, sem dúvidas. Recomendadíssimo.

Um comentário:

  1. Um final conturbado e sem definição deixando no minimo o telespectador com a sensação de perda, talvez do ingresso.
    Mas fica aqui retratado o talento infantil de Pierce Gagnon

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