sábado, 16 de fevereiro de 2013



Crítica filme “A Hora Mais Escura” (Zero Dark Thirty / 2012 / EUA) dir. Kathryn Bigelow

por Lucas Wagner

  Um dos episódios da decepcionante primeira temporada do seriado The Newsroom trata do momento em que vários jornalistas recebem a notícia de que Osama Bin Laden foi morto, assim ficando responsáveis pela “honrosa” tarefa de transmitir para a população norte-americana esse fato tão “maravilhoso”. Esse episódio me causou o mais profundo nojo, já que os realizadores deram um tom extremamente ufanista, de profunda alegria e emoção diante da morte do líder da Al Quaeda. Não estou dizendo que Bin Laden fosse um bom homem, mas sim que essa comemoração (acompanhada de uma trilha melosa) transmitia toda a indecência daqueles personagens e dos norte-americanos que estavam comemorando a morte de um ser humano. Todos felizes e se abraçando, com lágrimas nos olhos, abrindo champagne e comemorando esse “grande feito” do governo, se sentindo como irmãos, membros todos de uma grande nação. Pois eu digo que não há nada de bonito nisso, e muito menos de patriótico. O meu medo acerca desse A Hora Mais Escura, que narra a caça ao terrorista, era de que também tendesse a ser uma grande masturbação norte-americana, tratando esse evento como algo patriótico. Felizmente, a ótima cineasta Kathryn Bigelow consegue tratar o tema com frieza e objetividade, criando ainda um eco temático com seu trabalho anterior, o inesquecível Guerra ao Terror, que tratava da guerra nos campos de batalha, enquanto aqui ela trata da mesma guerra no plano da espionagem e da inteligência longe da batalha real.

  Assim como no excelente Argo, a maior virtude de A Hora Mais Escura é de nunca evitar retratar ações repugnantes realizadas pelos norte-americanos nos eventos narrados. Dessa forma, Bigelow mostra cenas de tortura pesadas e impiedosas, nas quais fica impossível que evitemos olhar com desgosto para os agentes norte-americanos responsáveis pelo ato. E a visão crítica da diretora e do roteirista Mark Boal (também responsável pelo belo roteiro de Guerra ao Terror) chega ao ápice quando mostram o presidente Barack Obama negando a tortura que já vimos acontecer, o que é irônico e corajoso por parte dos realizadores. Ainda, é interessante que diretora e roteirista retratem diversos empecilhos de comunicação que, muitas vezes, acabam mandando os personagens para caminhos errados, evidenciando ainda mais a complexidade da caça.

  Bigelow demonstra mais uma vez seu valor como cineasta ao investir num ritmo sempre frenético e tenso, junto com a montagem enérgica (que, no entanto, nunca deixa o longa confuso) e a câmera sempre na mão, transmitindo instabilidade. Assim, a cineasta nunca deixa que o longa se torne enfadonho, mesmo com quase três horas de duração. Bigelow consegue criar um ritmo crescente de tensão, ainda sempre deixando o espectador inseguro quanto ao que pode acontecer com os personagens, já que esses parecem sempre muito expostos a perigos; ainda, a diretora consegue fazer com que o próprio espectador compartilhe da exaustão dos personagens nessa caçada. O único problema que acaba por diminuir um pouco a qualidade do filme é a sua própria estrutura que, visando explorar os longos anos em que a caçada aconteceu, acaba por ter que apressar o tempo que dedica a alguns desses anos; assim, somos surpreendidos sempre por estarmos acompanhando o que aconteceu, por exemplo, em 2004 e, pouquíssimo tempo depois pularmos para 2005. É claro que seria impossível trabalhar, em um mesmo filme, por mais longo que seja, a caçada nos mínimos detalhes, mas essa estrutura, junto com a quantidade de informações que já temos que acompanhar, acaba prejudicando o desenvolvimento dos personagens.

  Aliás, se A Hora Mais Escura possui ainda alguns personagens tridimensionais, isso se dá não tanto pelo roteiro ou pela direção, mas sim pelos atores. E para isso o grande destaque fica por conta da linda Jessica Chastain, na primeira atuação de sua carreira em que pode realmente mostrar todo seu talento (nem na obra-prima A Árvore da Vida ela teve muita chance). Interpretando um arco dramático tipo Ellen Ripley (a protagonista dos quatro Alien), de mulher frágil que vai se tornando mais forte e imponente, Chastain dá enorme intensidade à Maya, intensidade que vai crescendo com o decorrer dos anos e a exaustão da caçada, que vai a isolando de outras pessoas, já que deve dedicar cada vez mais ao seu trabalho. Observem a competência da atriz quando perguntam para ela se ela não tem amigos. Ainda, Chastain demonstra ainda mais talento ao conferir a Maya pequenos sinais de maior jovialidade, como nas risadinhas infantis que dá ao receber uma notícia que tava torcendo por receber. Mas o mais importante mesmo é que a atriz vai deixando que o espectador compartilhe todo o seu desgaste ao longo dos anos, tornando-a uma protagonista fascinante, contornando alguns dos tropeços desesperados de Boal para tentar desenvolvê-la, como quando recorre a diálogos expositivos e artificiais.

  No elenco, Jason Clarke também surpreende como Dan, conseguindo criar um personagem extremamente complexo e ambíguo, que não aprecia exatamente o que deve fazer, mas também não hesita em fazer o que é preciso. Todos os outros personagens, mesmo com o elenco coeso, não possuem muitos sinais de tridimensionalidade, algo que, de fato, é difícil em um projeto complexo como esse, mas não é impossível (vide A Rede Social, O Informante, Zodíaco, Munique, etc). E isso é realmente uma pena, já que o que justamente fazia de Guerra ao Terror uma obra-prima tão admirável era o mergulho absoluto proporcionado por Bigelow e Boal na psique de seus personagens, nos fazendo mais próximos à eles, enquanto compartilhávamos de suas dores e angústias, que pareciam nunca ter um fim. Dessa forma, a ligação emocional que tínhamos com aquele filme era muito maior do que a que temos com esse.

  Ainda assim, A Hora Mais Escura merece aplausos sinceros pela sua cena final, que confere ao longa uma complexidade ainda maior, além de criar uma ligação fascinante com Guerra ao Terror. O fato é que, assim como o sargento William James (Jeremy Renner) se afogava na guerra, a ponto de sua vida se definir tanto por isso e ele passar a necessitar da guerra como quem necessita de uma droga, Maya deixou qualquer sombra de uma vida pessoal para se dedicar à exaustiva caçada à Bin Laden, e quando essa finalmente acaba, ela não consegue evitar se sentir desamparada e sozinha num mundo que ela não tem mais contato: o mundo dos relacionamentos humanos. Assim, é impossível não apreciar a inteligência de Bigelow ao terminar seu filme mostrando a protagonista sozinha em um avião, sem um destino certo, e filmá-la em primeiro plano, quando essa não consegue evitar que lágrimas lhe escorram pelo rosto, numa mistura de alívio e desespero. E mais uma vez Chastain demonstra quão boa atriz é.

  Enfim, A Hora Mais Escura é um ótimo filme, que pode não chegar aos pés de Guerra ao Terror, mas nem por isso deixa de ser mais um acerto dessa parceria entre diretora e roteirista. E só o fato de possuir uma protagonista tão fascinante já é o suficiente para que eu queira revisitar esse projeto ainda várias vezes.

Nota: 8,8 / 10.0

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